Ana Kesselring


A artista vem desenvolvendo um trabalho que se foca na compreensão e representação de uma noção de corpo expandido. O corpo, no caso de sua pesquisa, engloba o humano - na maior parte das vezes feminino -  mas também o corpo animal, vegetal e mineral. Buscando maneiras de amalgamar esses elementos diversos, de forma a refletir a interdependência dos corpos do mundo e a interligação de todas as espécies viventes. Os trabalhos são constantemente fragmentados, de forma a evidenciar uma vontade de unir, mas também a dificuldade para tanto.
Ana Kesselring usa várias técnicas,entre elas cerâmica, gravura, pintura, desenho, fotografia.


TRABALHOS
2021
Nortando-me

2020
Relicário
Nas Junias
Aquiles Sangrando Bic

2019
Confissões Barrocas
Cogito
Redenção

2018
Coluninha
As Varíneas

2017
Empilhamento
Corpo Estranho
Corpinho
Contendo
Carapaça

2016
Corpos do Mundo
Anatomias
Coraçao de Boi
Corpos do Mundo - Desenhos
Aquáticas

2013
As Bucólicas

2012
Eva

2011
Guilhotinada

2007-2014
Corpotopias

EXPOSIÇÕES
2022
Algae Odyssey, Museu de História Natural e da Ciência, Laboratório de Química Analítica, Lisboa

2018

Arco Xabregas, Lisboa
Corpos Estranhos, Paço
Imperial, Rio
de Janeiro

2016
Ar.Co Lisboa
Ar.Co Almada
Corpos do Mundo, DConcept Escritório de Arte, São Paulo

2015
Da Escrita, Delas, Elas, Museu da República, Rio de Janeiro

2013
Portes Ouvertes, Atelier Ana Kesselring, Paris

2009
Mundo sem Molduras, MAC USP

2008
Corpotopias, Gravura Brasileira, São Paulo

2007
Corpotopias,
Galeria Sycomoreart, Paris

Corpotopias
Cité Internationale de Arts, Paris

TEXTOS
Multiespécies no trabalho de Ana Kesselring 
Regina Johas 2021


Ana Kesselring – Corpos estranhos
Ligia Canongia

Corps du Monde (Corpos do Mundo)
Fabiana de Moraes

O que é uma Corpotopia?
Henrique Marques-Samyn

Entrevista
Ju Chohfi

Tese de Mestrado, Universidade Paris 8 :
La construction de l’image dans l’oeuvre de Kiki Smith - du pli à la peau, de la peau à l’empreinte - quand les corps du monde s’entremêlent.

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O projeto Corpotopias de Ana Kesselring nasceu a partir da mistura de desenho, gravura e escultura e, como o próprio nome sugere, o trabalho se desdobra ao redor da construção ou re-construção do corpo.

O ponto de partida de Kesselring são estudos anatômicos em que o corpo é desconstruído para depois ser reinventado. O corpo desconstruído ou por ainda ser, é transformado em lindas formas orgânicas e fluídas que encarnam ao mesmo tempo as espécies humana, animal e vegetal.

Nascida em São Paulo, Ana Kesselring estudou Artes Plásticas na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e fez seu mestrado na Université Paris VIII, onde faz atualmente seu PHD. A artista vive e trabalha em Paris.

Abaixo, a entrevista que tive o prazer de realizar com a artista em meio às suas telas e desenhos que expôs recentemente na Galeria Veredas em São Paulo.


Ju Chohfi

O que veio primeiro? Os animais ou corpo humano?
Os pássaros, o mundo animal. Eu me inspiro muito em livros de história natural. Parte da minha pesquisa em Paris, foi sobre um livro de Albertus Seba, que possui toda a representação do que era chamado Reino Animália, composto de animais exóticos chegados do mundo inteiro na Europa nos séc. XVI e XVII. A ilustração do livro foi feita por artistas da época.

Estudei muito a classificação na história natural, uma decodificação da natureza de forma racional, que acabou gerando uma separação do homem do resto das coisas que o cercam. Além disso, fui influenciada pela idéia do livro Les Mots e les Choses do Foucault, no qual uma concepção mais fantástica do universo é retomada... com o estudo da anatomia, a abertura dos cadáveres, o corpo que era muito mais ligado ao resto do universo, foi cada vez mais decodificado e isolado do resto do mundo.

Num primeiro momento do trabalho, existe um corpo do mundo, o corpo animal, vegetal, e tudo que é vivo, numa tentativa de amalgamar tudo num corpo só e criar um corpo que não seja isolado ou separado dos outros corpos que o cercam.

Porquê a escolha do corpo? E o feminino?
Desde a minha graduação, a questão do corpo já estava latente...trabalhava com o corpo animal, fiz gravuras inspiradas em desenhos dos artistas viajantes e trabalhei muito no sentido de desconstruir essas figuras.

Quando cheguei na França essa questão, se juntou a um processo pessoal meu, um processo de descoberta do meu próprio corpo. E isso foi desabrochando. O primeiro material que eu escolhi como fonte de inspiração foi o livro de esculturas anatômicas, La Specola, no qual a figura da Venus di Médici me chamou a atenção. Uma figura de cera deitada, de cabelos longos e um colar de pérolas com uma caixa que abre na região do abdômen. A caixa quando aberta mostra o interior do corpo. Neste momento eu estava lendo o livro de Didi Huberman – Ouvrir Venus – que tem um capítulo dedicado justamente ao estudo dessa Venus e que descreve toda essa transição do exterior para o interior, os requintes e a estranheza dessa mulher, uma forma plasticamente harmônica que quando aberta, expõe um interior visceral, constrangedor, que incomoda e traz a tona essa condição humana e sua fragilidade.

Eu comecei a usar essas figuras anatômicas e continuava a desconstrução do corpo e nos primeiros trabalhos não havia tanto essa questão do feminino e o corpo humano era misturado à formas animais e primitivas. A minha tentativa era de sobrepor e fundir esses corpos. Porque uma questão importante pra mim é a separação do humano do resto da natureza.

Seu trabalho é muitas vezes sutil, exigindo um olhar mais atento para ver o que está realmente acontecendo, como nas gravuras por exemplo.
Eu acho que exige um olhar mais introspectivo, um olhar mais silencioso e um olhar com alguma referência porque muitas vezes as pessoas passam batido...

Então como você espera que as pessoas que realmente ‘olham’ vão reagir?
Eu não penso nisso quando eu produzo. o meu trabalho é bem autobiográfico, quer dizer, não que ele transmita isso no ‘produto’ final mas acho que está ligado com passo da minha existência, uma ligação mais comigo e com as minhas experiências do que com o espectador...é engraçado... embora eu não acredite que exista obra de arte enquanto o trabalho não for visto por outras pessoas mas na hora de produzir, não é uma questão que me influencia.

É impossível não pensar em Kiki Smith ou Louise Bourgeois quando vemos o seu trabalho. Mas o seu trabalho diverge na violência e confrontamento trazendo a transformação do corpo...mais suave e sutil...

É, eu acho também...é um comentário até bem parecido com uma crítica que acompanhou um pouco o meu trabalho, a Ligia Canongia que está curando a exposição da Nan Goldin agora... ela fala justamente isso, que tem uma coisa mais mórbida no trabalho da Smith, que eu passo meio à deriva... por mais que haja, e há, um sentimento mais violento por trás, sempre fica uma coisa sutil...longe de uma Marina Abramovic... Acho que no fim, tem uma coisa do belo que me atrai muito...uma questão problemática na arte contemporânea. Não que eu seja a favor do belo, mas acho que você pode tratar questões violentas e fortes e acabar saindo uma coisa até bonita e poética. Talvez a minha angústia esteja atrás de muitas velaturas (risos).

Você poderia descrever a evolução do seu trabalho nos últimos anos?
Acho que nas gravuras, alguns anos atrás, havia uma preocupação de inovar no sentido técnico, não que sobrepor várias chapas de gravuras seja um processo novo mas eu acho que a maneira que eu trabalhava era totalmente intuitiva e sempre procurava uma coisa mais experimental, plasticamente, as gravuras proporcionaram um resultado mais desconstruído, como se fosse uma passagem.

Logo no início do meu mestrado, elegi como fonte de estudo a artista Kiki Smith que tem como foco central o corpo feminino, e que trabalha não só a anatomia mas desenvolve a questão do feminismo: o lugar que essa mulher ocupa na natureza ou em uma sociedade machista, questões importantes para o meu processo. Posso traçar um paralelo na estrutura do meu mestrado com o trabalho de Smith: O Corpo Fragmentado, O Corpo Abjeto, e O Corpo Reconstruído e Fabuloso...

Quando terminei o processo de análise do trabalho da Kiki Smith, que foi inclusive um período em que eu parei de produzir, quando voltei à produção, eu realmente quis encarar mais essa parte externa do corpo, um corpo com forma e que está no espaço e sempre com a idéia também de um corpo que porta algumas indumentárias, alguns adereços, uma mistura que vem lá dos livros de história natural. Voltei para a pintura, quis voltar para um processo que não fosse tão indireto como o da gravura, que fosse um processo com menos etapas de transição, uma coisa mais direta...a pintura é na verdade a minha formação mas eu não pintava fazia uns 8 anos, desde a exposição no Maria Antonia em 2000 e pouco...

A evolução do trabalho é realmente um processo que corre paralelo ao meu, traz a idéia da metamorfose também...que já tinha em alguma das gravuras lá atrás, tem umas inclusive que tem um casulo...embora agora já seja um corpo visto de fora, ainda é um corpo em transformação.

Você já está em Paris há 5 anos, como a cidade influencia o seu trabalho?
O meu processo lá é um processo bem isolado. Eu acho que Paris não propicia o diálogo entre os artistas como Berlim por exemplo, eu adoro ir para Berlim trabalhar por uns períodos. Acho que Paris atualmente tem uma comunidade de artistas muito individualista... não rola uma troca, eu acho que Paris influencia mais no sentido de eu estar isolada da minha origem...podendo olhar para mim e para o Brasil de forma diferente...esse deslocamento influencia minha maneira de me perceber e de ser mais brasileira, podemos assim dizer.

No que está trabalhando no momento ou quais são projetos futuros?
Pensei muito na continuação das pinturas...uma questão que eu quero retomar, é a questão do tridimensional, da escultura...a idéia de misturar e sobrepor os corpos na tridimensionalidade. Tem também a questão da angústia escondida nas velaturas...penso em resgatar os rascunhos, eu acho que o trabalho no estado inicial, bruto, tenha uma força que vai se perdendo com as camadas de tinta...

Outra questão é a fotografia...estou olhando bastante para as fotos da modelo das telas e de outro trabalho e fotos feitas à partir da internet, mas aí seria mais um desvio para o erótico talvez...não sei...(risos).