4 de Maio de 2024 a 15 de Setembro de 2024
Casa da Cultura do Parque
Av. Professor Fonseca Rodrigues 1300 Alto de Pinheiros - São Paulo - SP
Fotografias: Romulo Fialdini
No próximo sábado, dia 4 de maio, a Casa de Cultura do Parque inaugura individual da artista visual Ana Kesselring. Apresentada no espaço expositivo externo da Casa, a exposição Arqueologias do Vivente evoca a ideia de corpo expandido. Trata-se de um conjunto de esculturas de cerâmicas, com formas que remetem à anatomia de entranhas, e reflete a pesquisa da artista sobre a interdependência dos corpos no mundo, ainda que não apenas humanos, mas também vegetal e mineral – corpos viventes.
Colunas e relevos de Ana Kesselring
As colunas cerâmicas de Ana Kesselring ressoam vestígios de antigas civilizações. Como lembranças de uma sociedade – ficcional ou não –, são empilhamentos de fragmentos fatiados, nos quais formas de seios encontram corais e conchas. São camadas que misturam tempos históricos e narrativas míticas.
Dado o tratamento das peças, resulta um aspecto visual, por vezes, semelhante àquele decorrente da oxidação; por vezes, ao efeito de fungos, que costumam revestir de tempo objetos esquecidos. Lisos e rugosos; ásperos, opacos e brilhantes.
Relevos acompanham as colunas, seguindo os mesmos procedimentos de fatiar e empilhar. Tais tridimensionais, pela tatilidade visual, tocam a experiência do corpo.
Nessas esculturas algo aquáticas (como se tivessem sido conservadas no mar), a presença do elemento feminino se destaca. Sugerem restos de Cariátides nos dizendo da experiência mística europeia quando a idolatria às deusas se igualava àquela dedicada aos deuses. Tais colunas esculpidas sustentavam o entablamento de templos, ou seja, carregavam sobre suas cabeças o peso da cobertura, protegendo fiéis das intempéries, embora seus corpos, graciosos, não expressassem a força exercida.
Em diversas culturas, sabe-se da relação ancestral que une a figura feminina à cerâmica, mas também a atuação do gênero feminino frente à história dessa prática. Assim, as formas-fêmea de Kesselring recuperam nossa relação com cerâmicas rituais antigas, numa ambiguidade entre elementos identificáveis no mundo e outros mais abstratos.
A filósofa estadunidense Susanne Langer, tão relevante para pensamento estético neoconcreto em meados do século XX, trabalhou o conceito de arte como “criação de formas simbólicas do sentimento humano”. A visão de Langer serve à análise da obra de Kesselring porque, ao articular fragmentos de corpos femininos, animais, frutas, plantas e restos de arquitetura ou objetos, produz um todo que, embora completamente abstrato em sua formulação final (consigo identificar as partes, mas o todo, embora coeso e uno, não possui registro na realidade) evoca emoções e sentimentos.
Em outras palavras, a artista recorta formas conhecidas, reúne-as, criando com elas outra forma, desconhecida, porém, que estimula sensações e sentimentos de transcendência e nostalgia, colocando-nos diante de um presente que contém o passado e parece poder conter o futuro. Existem num tempo mítico que, por isso mesmo, é tão contemporâneo quanto é ancestral.
Ana Avelar
Abril de 2024